quinta-feira, 1 de março de 2012

A cotovia

    O pecado, como uma jornada, começa com o primeiro passo; e a sabedoria e a experiência ensinam que é mais fácil resistir à primeira tentação do que às posteriores, quando a transgressão já começou a tomar forma. Isso é demonstrado na história da cotovia. Pousada nos altos ramos de uma árvore, livre de qualquer perigo, viu um viajante caminhando pela floresta com uma misteriosa caixinha preta embaixo do braço. A cotovia voou e pousou no ombro do viajante. ‘O que você leva nessa caixinha preta?’ perguntou o pássaro.

‘Minhocas’, respondeu o viajante.

‘São para vender?’

‘São, e bem baratas. Só uma pena por minhoca’.

    A cotovia pensou um pouco. ‘Devo ter um milhão de penas. Não vou sentir falta de uma só. Esta é uma boa oportunidade de conseguir um jantar sem nenhum esforço. Então disse que compraria uma. Procurou cuidadosamente embaixo da asa uma pena bem pequena. Estremeceu um pouco ao arrancá-la, mas o tamanho e a qualidade da minhoca fizeram-na logo esquecer a dor. Lá em cima, na árvore, começou a cantar com a mesma beleza de antes.

    No dia seguinte o homem também apareceu, e mais uma vez ela trocou uma pena por uma minhoca. Que modo maravilhoso e fácil de conseguir um jantar!

Dali para a frente, todo o dia a cotovia entregava uma pena, e cada perda parecia doer menos e menos. No começo tinha tantas penas, mas com o passar dos dias sentiu que foi ficando mais difícil voar. Finalmente, após perder uma de suas últimas penas, não conseguia mais alcançar o topo da árvore, muito menos voar tão alto como antes. Esvoaçava no máximo dois metros e via-se forçada a procurar alimento junto com os belicosos pardais.

    O vendedor de minhocas não apareceu mais, pois não havia mais penas para pagar as refeições. A cotovia deixou de cantar, pois sentia-se envergonhada de seu estado decaído.

    É assim que os hábitos indignos tomam conta de nós — a princípio dolorosamente, depois com maior facilidade, até que por fim nos encontramos destituídos de tudo que nos leva a cantar e voar a grandes altitudes. É assim que se perde a liberdade. É assim que nos envolvemos no pecado.

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